sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O amanhecer das águas daqui: histórias de grandes rios, seus furos e igarapés


Hoje amanheci com as histórias do povo daqui, na memória de alguém que veio para cá aos 28 anos deixando as águas paranaenses do lado de lá. Talvez aclimatada pelo inverno típico de Belém, ou seja, faz calor, mas de céu nublado e com arzinho de chuva. A temperatura beirou a 25 graus na manhãzinha de hoje. Um sonhar acordado de olhos amanhecidos. A vida é sonho (Barca, 2007) e tudo se mistura, mas, é preciso manter o caráter enigmático do sonho, segundo Benjamin (1984). E assim vamos seguindo entre enigmas e aprendências.

Em meus arquivos duas imagens caraterísticas da Ilha de Cotijuba vieram juntas, trazendo as matutinas idas pedagógicas, e resolvi postá-las por aqui, antes porém, pedindo licença aos alunos de Pedagogia, motivo deste blog.

Um salto deste sonho dei até chegar às palavramundo de Paes Loureiro (1991), marca de boa lembrança que, no vai e vem das ondas do barco pelas águas dos rios-mares paraenses, funda-se nas certezas das narrativas ouvidas pelos intermédios que ecoam dessas águas pardas, pois, para - e com - ele aprendi que os rios “escondem embarcações encantadas na manga de sua casaca de lendas, devora cidades, alimenta populações, guarda em suas profundezas ricas encantarias habitadas pelos Botos, Uiaras, Anhangás, Boiúnas, Cobra Honorato”.


As lendas são a poesia do povo; elas correm de tribo em tribo, de lar em lar, como a história doméstica das idéias e dos fatos; como o pão bento da instrução familiar... mas o povo crê, e não convém destruir as fábulas do povo...Este cultivo dos mitos, não é, talvez, o guardar laborioso das verdades eternas? Machado de Assis

Y la experiência me enseña
que el hombre que vive sueña
lo que es hasta despertar.
(Calderón de La Barca)


Referências:
ASSIS, Machado. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. (V. III)
BARCA, Pedro Calderón de la. A vida é sonho. São Paulo: Hedra, 2007.
BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984.
LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura amazônica: uma poética do imaginário. Belém: Cejup, 1991.

domingo, 6 de dezembro de 2009

O olhar do amazônida para o céu: mais respeito ao sagrado



É próprio de todas as espécies preparar gerações futuras transmitindo e apreendendo conhecimentos e comportamentos acumulados pelas gerações anteriores. Ubiratan D’Ambrósio.

Foi essa idéia que me deu vazão à criação e implantação do Planetário do Pará. Desde que fui convidada em 1997 pela UEPA (Universidade do Estado do Pará) a elaborar um projeto para a instalação do Planetário do Pará, me veio o desejo de não só ser um centro de difusão do conhecimento, mas, valorização do povo amazônida que habita cada metro quadrado desta terra. Quantos saberes por aí existem, diante do princípio da etnopedagogia (clique nos links para saber mais), com base em Ubiratan D’Ambrósio, resolvi ler mais ainda sobre ecopedagogia, Francisco Gutiérrez-Paulo Freire e Fritjof Capra, percebi interfaces com Edgar Morin, sobre complexidade na educação, e Ilya Prigogine, pela teoria das estruturas dissipativas que nos levam a repensar o papel do nosso tempo, a nossa visão sobre o conhecimento, sobre as leis fundamentais da física que buscam explicar o universo e o fim das certezas. Foi um pulo para conhecer mais de perto Maturana e Varela e entrelaçar realidades, poesia, ciência, cultura e história.

O que eu quero dizer com tudo isso, havia sim muita sabedoria desde os povos primitivos que percebiam as relações de mútuo pertencimento entre a natureza humana e o meio e, de modo interdependente, a dimensão da vida. Naturezas e relações aprendem a lidar com o que é mais sagrado a todos: A VIDA.

Povos indígenas, pescadores, mateiros, ribeirinhos, quilombolas, enfim, todos os que sabem ler o céu, suas estrelas, seus pontos escuros, a luz do sol, a luz da lua e demais fenômenos celestes e o tanto que influenciam em nosso ser, existir, co-existir, transcender-se.

Todos se encantaram com a proposta da etnoastronomia - do Planetário de Porto Alegre ao de Fortaleza - esse daqui seria o primeiro das terras amazônidas. Ainda é. A idéia tranpôs as fronteiras brasileiras e encantou muitos outros países e além do território das Américas. Tudo se deve ao reconhecimento da identidade indígena a partir dos Tembé, quanta semelhança com o povo babilônico. Olhar histórico, sabedoria da mata, dos rios, dos céus se entrecruzavam. Apresentarei devagarinho essa história.

Todos os que chamei para compor a equipe saíram ganhando com os conhecimento da etnopedagogia, este lugar proporcionou muitos vôos científicos, hoje estão constituídos no mundo acadêmico e com titularidades reconhecidas.

Viva Ubiratan D’Ambrósio, através dele adquiri coragem para propor algo enquanto pedagoga em um terreno das ciências exatas e específico da astronomia, sobretudo, agradeço a oportunidade dada pela UEPA. Ganhamos o projeto e com ele o primeiro lugar do Prêmio Jabuti em 2000, na categoria dos didáticos. Na ocasião que recebi o Jabuti ironicamente eu já estava afastada do lugar idealizado e que acompanhava, desde 1997, a promessa de valorização do povo dessas terras paraoaras. As riquezas daqui enriquecem as gentes de outros rincões.

E OS TEMBÉ? E as crianças que a matriarca da aldeia – a capitoa Verônica – muito preocupada com o fato de que elas falam mais o português que o seu dialeto original? Ela me pediu, quando em visita ao Planetário na véspera da sua inauguração, em 30 de setembro 1999, que fizéssemos uma cartilha para resgatar o orgulho, o conhecimento de suas crianças e não ao contrário divulgar saberes aos filhos do branco. Ela tem sua razão, as pesquisas devem ser daqui para eles, e não somente deles para nós. Via única. A minoria necessita ser respeitada em seu território. Porém, a minha promessa ficou no ar, pois, logo em seguida sai de lá, e hoje ainda me ressinto dessa não realização.

O que fazer se a política nesse país muda os rumos dos educadores?

Silencio-me, mas,
não calo na boca notícia ruim. A utopia se faz necessária para viver. É a educação ambiental na alma que reclama e proclama relações de interdependência. Respeito é a palavra da hora.

Apresento a vocês a constelação do "queixo da anta" (Tapi'i Hazywer), que está localizada na mesma região das setes irmãs (as Plêiades - surge no equinócio da primavera). Lá está a estrela aldebaran, que também pertence à constelação do Touro, primeira constgelação criada pelos babilônios (4.000 anos a.C.). E assim os Tembé vivem a "escola da vida". Essa sabedoria casou com o conhecimento etnoarqueoastronômico do professor Germano Bruno Afonso, que foi o nosso consultor e adentrou a aldeia dos Tembé, por fim propus o desafio de elaborarmos o relatório de campo através de uma cartilha para crianças, linguagem clara e consubstanciada de conhecimentos etnopedagógicos com base em piagetiana (cognição) e vigotskiana (mediação). A equipe coordenada por mim entusiasmou-se.


"Nós os índios, sempre cantamos e dançamos nas nossas cantorias, como forma de manter a unidade do nosso povo e a alegria da comunidade. Se a gente cantar e dançar, nós nunca vamos acabar" (Verônica Tembé, Capitoa da Aldeia Tekohaw).

Para saber mais acesse: Mitos e Estações no Céu Tupi-Guarani.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Magia, conto e aprendizagens: o saber das crianças

Olha a cara do vovô... Aprender a contar histórias para crianças utilizando predominantemente o recurso de saber olhar nos olhos e de se sentir encantado com o olhar da criança. Antes mesmo de utilizar recursos secundários como marionetes e livros.

Falar e olhar, olhar e ouvir, olhares que se comunicam entreolhares. Ou seja, há uma linguagem própria e que só existe no entrelugar dos olhares. Foi essa magia que acadêmicos de Pedagogia, do primeiro semestre de 2009, me fizeram reaprender com as crianças colaboradoras durante a disciplina "Literatura Escolar para as Séries Iniciais".

Solicitei que fossem “a campo” munidos com recursos do olhar, da memória do conto e da vontade de aprender com a criança, sua corporeidade, seus movimentos, suas inquietações, suas perguntas; fossem ali observando e anotando tudo o quanto pudessem reter desse momento único para repensar conosco mais tarde. Primeiro nos atos e processos de escrita. Para facilitar deveriam, com o consentimento da criança, dos pais ou professores, capturar imagens desse holos pedagógico e depois compor todo o vivido em um relatório. Olhares etnográficos que registram a respiração, o movimento das mãos, o desvio do olhar...

O que as crianças recontam? O que lhes chamou a atenção? Como elas dialogam com o mediador? Enfim, perguntas que respeitassem o sagrado dessa relação e seus desdobramentos encantadores. Hipnose das aprendências que asseguram sujeitos autores, inventivos, descobridores e solidários. O olhar é solidário. O olhar é sagrado. O olhar se torna mais humano a partir do entrelugar.

A apresentação abaixo fez parte das mediações que ocorreram durante mini-curso "Contos, oralidade, leitura e escrita: a magia do faz-de-conta ressignificando aprendizagens", que desenvolvi com os participantes da V Semana de Pedagogia, durante dois dias do mês de setembro de 2009.


A Magia das Aprendizagens





Algumas imagens utilizadas estavam disponíveis na internet, outras foram capturadas em uma viagem que fiz ao Paraná, em setembro de 2009, passagens que representam a temporária despedida de meu irmão querido, e outras mais felizes retratam momentos de sala de aula do Curso de Pedagogia e de ações pedagógicas da Escola Bosque.

Essas figuras foram criadas pelos participantes do mini-curso: qual é a cara do teu monstro? Ela dá medo? Penso que depois do mini-curso deixaram de estampar, o medo foi reelaborado... Parece simples.


- Afastar nossos fantasmas? Não, percebê-los que no fundo são frutos da imaginação.


- Que monstrinhos mais simpáticos, você não acha?

sábado, 3 de outubro de 2009

TITANIC - lenda viva

PROCESSO DE LETRAMENTO: memorial dos adultos colaboradores de acadêmicos de Pedagogia

A manchete "NAVIO NAUFRAGOU NO ATLÂNTICO NORTE E MATOU 1500 PESSOAS", está na memória de uma lúcida senhora de 103 anos, descendentes de escravos, que diz ter aprendido a ler em 1912 à bisneta, aluna do segundo semestre de Pedagogia da Faci. Ela sofreu muito preconceito na época e ao tentar ingressar em um programa de alfabetização do governo na década de 40, sofreu novo preconceito: mulher não devia estudar. E negra. Hoje se sente muito satisfeita com seus bisnetos, netos e filhos, pois, todo mundo pode aprender a ler.

A família diz que a matriarca tem mais idade do que está em seu registro, pois, foi a data que cartorizaram a sua cidadania.

Os alunos do curso de Pedagogia aprendem muito com as histórias de letramento de patriarcas e matriarcas de sua família ou amigos, é o retrato de um Brasil, daí começamos a conversar sobre a evolução histórica dos métodos de alfabetização. Tem muita história do lugar, da política, da cultura, das marcas. Delineamos a história a partir da Ego-história, no laboratório vivencial das aprendizagens. O ensino se torna mais concreto, compreensível, pois, o aluno - com as suas referências vivas - se percebe no movimento através do pensamento reconstrutivo.

Segundo Nietszche "nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmos, somos desconhecidos - e não sem motivo. Nunca nos procuramos". Estudar dessa maneira com os alunos é se sentir aprendente com eles da história que vamos reconstruindo e nos percebendo nela. Assim considero-me mediadora do conhecimento entre a história sistematizada, os acadêmicos e suas referências, reconstruindo nossa cidadania e co-autorias.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

LENDA DA MANDIOCA (do tupi Mani'oka) - Reconto

Uma passagem pitoresca...
Pensei duas vezes antes de fazer essa postagem. Espero que gostem e me ajudem a pensar mais. A turma riu bastante, mas, acerca das palavras refletimos muito, professora e futuros pedagogos, em nossa roda de conversas sobre mitos, pré-conceitos, linguagem, conceitos de infância e concepção de criança.

A narrativa trouxe elementos originais e interessante para o pensar duas vezes.
O menino, que tem 8 anos, advertiu o acadêmico Daniel Paz que não iria lhe recontar nada, até porque tudo o que ele falasse poderia ser usado contra a sua pessoa nos tribunais. Essa criança colaboradora vem de uma família de advogados: pai, mãe e irmã. Porém, em sua pressa, o menino aceitou fazer desenhos referentes ao conto.

- Um episódio estranho, bizarro ou hilário?

Durante a conversa que antecedeu o trabalho da dupla, Daniel e Diana Kelly, que estava interagindo com essa criança a fim de descontrai-la, o acadêmico lhe falava sobre um caso de uma criança comprar alguma coisa para sua mãe bem próximo da residência delas. Ao que ele interveio dizendo que aquilo era uma “improbidade administrativa” (administrador desonesto; administrador de má-fé; vantagens indevidas; corrupção administrativa). Deixando os dois acadêmicos boquiabertos.

- Exemplo de uma criança inteligente ou de um adulto em miniatura?

- As crianças reproduzem ou simplesmente fazem releitura e recolocam palavras em contexto diferente do âmbito privado da casa? Quando essas palavras familiares tornam-se parte do repertório pessoal? É a palavra-mundo da família? A competência do falante desvela o locus sociocultural. E a escola?

- Qual o sentimento de infância e suas relações com as realidades vividas e percebidas?
Sobre seu desenho ele ficou surpreso ao perceber que a palavra oca que escreveu acima da casa dos índios, estava "dentro" da palavra mandioca - que ele pôs no canto esquerdo superior da cartolina e bem acima dos desenhos que ficaram na parte inferior.

domingo, 14 de junho de 2009

Conto e Reconto: representações

O Reizinho Mandão, de Ruth Rocha
O menino de 10 anos, ouviu o conto das acadêmicas do 3o. semestre, do Curso de Pedagogia, Célia Maria e Regina Célia.

Interrogações surgiram, por que ao invés de recontar, L. preferiu desenhar e construiu as falas/pensamentos nos balõezinhos. L., estuda no 7o. ano.

Os acadêmicos ficam sempre preocupados quando se deparam com essa resposta diferente do que esperavam.

Por que as crianças maiores não correspondem? Não gostaram muito do conto? Não gostam de recontar? Inibem-se? Tem medo? Ficam inseguras? Estilos diferentes?

As crianças menores, ao contrário, colocam-se mais à vontade para recontar. Olham nos olhos, sorriem e fazem gestos. Por que a diferença?

Detalhes do desenho de L.

O Reconto e a Análise das Acadêmicas de Pedagogia (3)

O Pequeno Polegar (menina, 5 anos)
É porque a mãe deles estavam muito triste, porque eles tinham sete filhos, porque eles eram muito pobres.
O pequeno polegar estava escondido, daí o pai resolveu deixar as crianças na floresta, daí o pequeno polegar ouviu tudo, daí ele pegou os pãezinhos, daí eles voltaram para casa deles, mas, os passarinhos comeram tudinho.
À noite, viram o castelo muito grande. A mulher falou, aqui é o castelo do gigante, pode entrar, tem lugar p'ra todos vocês! Vou esconder vocês debaixo da minha cama.
Daí a mulher disse pro gigante: vamos comer o nosso almoço, essas crianças são muito "fininhas" e não dá p'ra comer.
Daí ele colocou a coroa na filha dele e célebro nas crianças.
Daí as crianças escaparam.
Ele ficou escorado no pé de uma árvore.
As crianças pegaram a bota mágica, ela foi aumentando e eles fugiram.
Daí, o pequeno polegar virou carteiro.
Daí, ele deu p'ra todo mundo da cidade.
A contextualização das acadêmicas Paula Fernanda e Ruth Gonçalves, do 5o. semestre de Pedagogia.
"Nosso Olhar"
Durante a contação da história, a criança demonstrou-se muito contente. Conseguiu contar a história inteira, porém, esqueceu alguns detalhes. O que é normal. Achamos que ela gravou na memória muitas partes. Sempre perguntava o que iria acontecer depois.
Na verdade, a parte que ela mais gostou não tinha tanto encanto. Foi o final, quando o menino virou carteiro. Talvez pelo fato de ser uma bota voadora. A contação de histórias p'ra ela é uma fuga do real.

O Reconto e a Análise das Acadêmicas de Pedagogia (2)

O Lobo e os Cabritinhos (menino, 3 anos)
O Lobo Mau pintou a mão com tinta e soprou a casa dos filhotes. E os filhotes correram, mas, o lobo comeu eles. A mamãe dos filhotes abriu a barriga dele e fechou com "predas". E o lobo bebeu água e morreu. E acabou a história.
A contextualização feita pelas acadêmicas Antonia Juciléia e Rozeane Rodrigues, do 5o. semestre de Pedagogia.
Notamos que o L. introduziu um fato não mencionado por nós: o sopro do lobo. Acreditamos que ele tenha "transportado" essa situação do conto "Os Três Porquinhos", pois, esta historinha é bastante conhecida.
Percebemos que ele focou os fatos relacionados ao vilão do conto. Acreditamos que esta "supervalorização" das atitudes do lobo se dê por conta de ser um personagem comum nos contos infantis. L. nos perguntou o que eram cabritinhos, ele não reproduziu oralmente esta palavra, sibstituindo-a por "filhotes".
Durante nossa narrativa, o L. manteve-se calmo e curioso, interrompendo-nos poucas vezes para perguntar: o que eram cabritinhos, o poço e por que a mamãe cabra abriu a barriga do lobo e se havia sangue dentro do lobo nesse momento.
É interessante perceber a liberdade que o L. teve para o reconto. Não estávamos preocupadas com a quantidade de elementos que ele lembraria, mas, em compreender por que algumas situações são mais significativas que outras para a criança.
Foi uma atividade que nos deu um olhar mais criterioso em relação a oralidade. Concluímos que o ato de contar histórias desperta a imaginação daquele que ouve e possibilita interlocução entre contador e ouvinte. Durante a atividade sentimos o calor humano que o contar história proporciona.
Imagem: Mother and Child, de Pablo Picasso (1905)

O Reconto e a Análise das Acadêmicas de Pedagogia (1)

A Bela Adormecida (menina, 7 anos)
Que era a princesa que nasceu. Que era p'ra fazer o batizado, mas fizeram uma festa e foi convidada todas as fadas. Os presentes: beleza, saúde (pausa) não tem felicidade. A bruxa não foi convidada aí ela foi lá jogou feitiço p'ra princesa furar o dedo e tinha uma fada que não tinha dado nada, então, ela falou p'ra princesa não morrer era p'ra ela dormir. E aí, a princesa furou o dedo e dormiu até um príncipe corajoso foi lá (risos), beijou a princesa e foram felizes p'ra sempre.
A contextualização da acadêmica Maria José, do terceiro semestre de Pedagogia.
Na hora do conto, a criança ouvia atentamente os detalhes e com riso nos lábios. Apesar de vivermos em pleno séc. XXI, os contos de fadas ainda são algo que despertam a atenção, o prazer, o lúdico, e dão asas à imaginação da criança despertando-lhes fantasias, traz à tona lembranças, sonhos, medos, associações e desejos, muitas vezes reprimidos.
A criança gostou muito de ouvir o conto e, principalmente, do momento da festa do batizado da princesa, a qual relacionou com a festa de seu aniversário que se aproxima.
Quando a criança colaboradora foi chamada para realizar a atividade estava assistindo TV e a mesma não relutou em momento algum por ter deixado de acompanhar um de seus programas preferidos para ouvir o conto.

domingo, 7 de junho de 2009

PROJETO CONTANDO E RECONTANDO HISTÓRIAS

Contando e Recontando

Participantes: alunos e alunas de Pedagogia e suas crianças colaboradoras.

Objetivos:

- Vivenciar a corporeidade através do conto. (Há quanto tempo não se olha nos olhos? modula-se a voz, percorrem-se as fantasias, convida a criança, se embala com ela, mas, sem um coelho branco a nos apressar? Qual criança?).

- Aproximar conto, cotidianidade e protagonismos.

- Reescrever relações, imaginações, possibilidades e letramentos nas trilhas do conto, do olhar, do gesto, do sentimento, da evocação, do re-criar, da releitura e autorias.

No corpo, a imaginação - o processo criativo se desenrolam, cria-se o que não se tem, se deseja... Não é possível? Inventa! A falta abre brechas. As coisas em volta simbolicamente se transformam no objeto do desejo. Faz-se de conta! Se com Lacan nos constituímos sujeitos, em Wallon nos construímos como pessoas. Somos o Outro, o imaginário que nos constitui, um espelho em busca de sua sombra, semblante, auto-imagem. Aos poucos vamos construindo a nossa autoria pela linguagem, no processo de querer dizer ao Outro. Imaginar, reinventar, reconstruir-se. As pessoas se sentem felizes quando alguém lhes dá a devida atenção, a criança exige-nos o prestar mais atenção nela. E nós, na escola, exigimos sua atenção. Até que ponto há sincronicidade? Assim das (des)atenções nasce o princípio da alteridade - da Outridade. Para Lacan, o Outro tem letra maiúscula.

Em Wallon, a construção significa que a nossa personalidade se prolonga no tempo, em Lacan, ao nos constituirmos como sujeitos, provocamos um momento de ruptura nesse estado, no estar. Assim buscamos nos diferenciar no sentido afetivo-cognitivo, orientados pela evolução da consciência de si e do Outro. Tornamo-nos pessoas completas por sermos marcados de contradições e conflitos de ordem emocional, afetiva, cognitiva e motora. Nada linear.

Wallon marca o papel das emoções para a constituição de nosso psiquismo e Lacan ressalta a função da linguagem que tece o sujeito e o social, a Outridade. O sujeito se estrutura nas falas e a palavra sustenta seus sentidos. As crianças e nós, como seus aprendentes, nos desenvolvemos com o olhar walloniano, as implicações educacionais e ao mesmo tempo desenvolvemos a escuta lacaniana, aprendendo a dialogar com as estruturas desse ser em intenso movimento.

Presença pedagógica e terapêutica: ouvir histórias, imaginar, fluir-se. É uma questão de ser, sentir, estar próximo ao Outro, imaginar, ter atitudes - saber e fazer!

Vem José Paulo Paes (s.d.), na releitura de La Fontaine, poetizar:

A formiga é só trabalho.
A cigarra é só cantiga.
Mas sem a cantiga da cigarra
Que distrai da fadiga
Seria uma barra
O trabalho da formiga.

Saber-Sentir-Agir. Saber ciência, saber cultura, saber experiência, saber agir, saber sentir, saber olhar, saber pensar... é o mundo do conhecimento!

Com o olhar walloniano – das emoções e sentimentos que unem – e a escuta lacaniana – que reparte o que é da ordem do imaginário, da fantasmização, de identificação com o outro – e aponta as singularidades, em busca do seu diferencial, e paradoxalmente, de ser o outro da novela de rádio – cruzada, modificada, multiplicada. E o mundo se torna complexo. A palavra verdadeira – uma busca sem fim – onde a dinâmica semiótica é suscetível de remanejar o que for imaginário ou contingente. Entre o contador de histórias e o ouvinte, o leitor e o autor, existem trocas simétricas contínuas. Redescobrindo-se!

Espera-se com esse trabalho aprender ensinando, movimento contínuo - processo simultâneo, recíproco, paralelo - ainda mais com os acadêmicos e suas crianças colaboradoras sobre literatura - em ação - na práxis infinitamente complexa. Cuja didática é a ciência! O aprender pela pesquisa cotidiana, de saber escutar, saber ver, saber pensar para sentir e (res)significar mais!

Encaminhamento:
- Escolher uma criança que colabore com a sua forma de olhar a leitura, a ouvir uma história e perceber como ela ouve e destaca as partes ou o conjunto do que lhe é contado.
- Escolher uma história diferente, algo que ela não conheça bem, não tenha lido ou ouvido, contar a história e pedir que ela reconte.
- Se possível, gravar o reconto, mas, de preferência, de uma forma espontânea e natural.
- Transcrever sua fala, fazer a comparação e analisar os discursos.
- Ao final, pedir que a criança desenhe a parte da história que mais gostou e depois que escreva/transcreva a frase ou palavra-mundo que mais chamou sua atenção.

A atividade pode ser feita individualmente ou em duplas.

Qual é a função do conto? Qual relação existe entre oralidade (poder criador e mutabilidade) e escrita (imutabilidade e imortalidade)?

"Não devemos nos surpreender se somos levados a considerar com olhos novos aquilo que pode ser o papel da oralidade na Grécia" (HAVELOCK, 1996).

Reconto: O Reizinho Mandão, de Ruth Rocha (2)

C. C. M. L. S. T., de 4 anos de idade.

Era uma vez um sapo cheio de bolinhas, e aí o rei diz: "cala a boca". E a menina falou: "cala a boca". E ele, o rei, parou de falar.

A menina dava risadinhas durante a contação da história pelas acadêmicas de Pedagogia, Maria Betânia Silva e Shyrlene de Maria. Pensavam que ela estava distraída e não lhes despendia a atenção desejada. A criança sempre filtra a parte que mais lhe interessa, chama, desperta e daí segue o seu significado, com uma lógica propria. E bem diferente da nossa.

Ao contrário da menina, o menino I. S. T., de 8 anos de idade, que cursa o 3o. ano, não apenas prestou bastante atenção, mas, como escrevem as acadêmicas, essa criança, embora tímida, segundo elas, "ficou COMPLETAMENTE CONCENTRADA". Eis o seu reconto:

Era uma vez um reino que era bem feliz, um dia o rei morreu e ficou o filho como rei e ele colocou as regras. Que um dia à meia-noite não poderia cortar a unha do dedo miudinho. E o rei ficou cansado e mandou todo mundo calar a boca. E todo mundo esqueceu como se falava, e todos ficaram sem falar. Aí, o rei ficou até feliz. E ficou enjoado de tanto silêncio.
E foi procurar ajuda lá no outro país, estava procurando alguém para ajudar ele e ele achou um velhinho bem miúdo.
E o velho colocou o seu dedo no nariz e falou para ele como desfazer a maldição e ele foi procurar no reino e batia de porta em porta e aí quando ele bateu em uma porta onde as janelas estavam fechadas, e o rei gritou: "não adianta fingir que não tem ninguém aí". E a porta foi abrindo devagarinho, devagarinho e a velha com uma cara desconfiada virou o rosto, e o rei mal-educado foi entrando e achou uma menina lá no fundo da casa. E ele ficou perturbando a menina. E a menina disse: "cala a boca seu pai já morreu, quem manda na minha boca sou eu".
E ele saiu do reino e foi transformado em sapo e só o beijo de uma princesa poderia desencantá-lo e deu seu reino p'ro primo.

Reconto: O Peru de Peruca, de Sonia Junqueira


Era uma vez, o Ari...

... ele foi em um buraco e encontrou uma peruca. Ele encontrou a coruja saindo do buraco.
A coruja se espantou.

A arara Mara chamou o urubu, desesperada falou tudinho. Falou que tinha uma fera dentro do buraco. Seu urubu falou que era curioso e falou que ia matar a fera. Depois ele ficou assustado pensando que era uma fera, aí o urubu tirou a peruca do peru Ari. No final todo mundo ficou rindo.

Esse reconto foi feito pela criança colaboradora de Aline Pantoja, é uma menina que estuda no 1o. ano de 9 anos. Deve ter por volta de 5 anos e meio de idade.

Aline perguntou à menina porque havia desenhado uma careta ou outro rosto acima da cabeça do peru e ela prontamente lhe respondeu: era a cara da fera!

Sabemos que uma criança desenha e algumas vezes acaba mudando o significado dependendo do seu interlocutor ou do seu humor no momento. Por isso acompanhar o ato da escrita, da rabiscação ou do desenho faz parte do processo de nossa aprendizagem. Aprendemos com a criança no ato de suas marcas autorais.

sábado, 6 de junho de 2009

Reconto: A Luva, de Tatiana Belinky (poema de Schiller, 1785)

É a historia de uma princesa...
...que vivia sozinha em um castelo e era muito triste. Um dia ela foi ao parque com um cavaleiro que gostava muito dela. Três leões se soltaram e ela falou para ele pegar a luva dela. Ele ficou triste, mas foi... Ficou muito chateado por ela ter mandado ele ir lá. E depois foi embora.
Luana, de 10 anos de idade, recontou a Elvys Tota, acadêmico de Pedagogia, que se surpreendeu com a compreensão - ao modo de sua criança colaboradora - acerca do conto escolhido sobre o envolvimento da donzela Cunegundes com o cavaleiro Delorges... E para o acadêmico "pensei que a criança expectadora fosse ter dificuldades de recontar a historia (...) são demonstradas varias competencias com seu reconto (...) vemos a propria entonação sendo desvelada e recontada de maneira que se verifica sentimentos repassados pela propria criança". A menina revelou ainda a ele que "somente a professora lhe contava historias e com um livro em mãos". Aprendeu com ela quando procurou "enfatizar o olhar direto para a criança, à busca do mágico durante o contar e, principalmente, se utilizar de todos os elementos existentes para que não fosse absolutamente nada fora da historia de Tatiana Belinky". Ao finalizar conclui que "o mundo mágico dos contos faz com que as crianças ampliem a imaginação e desejem o diferente e não o predeterminadamente perfeito. Voar... Voar. Isto é literatura".

Reconto: A historia de Rapunzel


Era uma vez...

Assim a criança colaboradora de Ana Sueli e Gilvan, uma menina de 5 anos, recorreu ao jargão tradicional para iniciar o seu reconto. O ponto alto da historia, nas palavras gravadas e transcritas pelos acadêmicos, se deu quando ela refere que o pai aceitou... aí o pai deu o bebê p'ra ela. A bruxa levou a criança, depois ela cresceu, cresceu, cresceu. O cabelo de ampuzel cresceu muito. "Ampuzel jogue sua tança com de mel". A bruxa cotou o cabelo de Ampuzel. Aí quando o príncipe chegou ficô tisti e furô o olho com um pauzinho. Ampuzel cantou e o príncipe escutou e ficou feliz pra sempre.

Reconto: O Patinho Feio

André Serrão e Patrícia Dias escolheram "O Patinho Feio", um conto clássico para vivenciar com a sua criança colaboradora essa experiencia de contar historias e saber ouvir da criança a sua propria versão. A percepção que tiveram do sentir-imaginar da criança se resume a "tudo nos fez pensar que as crianças possuem um grande potencial criativo e que, muitas vezes, nós, adultos não valorizamos". Patrícia conclui dizendo "penso que valorizar a autoria e a criatividade infantis é o primeiro passo na formação de leitores críticos e, quem sabe, na de futuros escritores". E para André "quantos professores já não contaram uma historia para os seus alunos, mas, nunca pararam para escutar a versão de cada um".

Christian quis dobrar a folha em forma de livro e assim reconstruiu a historia em sequencia, numerando as páginas e construindo o diálogo fora de cada quadrinho... Confira, no filme abaixo, o seu reconto:

Período Contemporâneo da Literatura Infantil - Reconto

O Reizinho Mandão
Ruth Rocha, em O Reizinho Mandão, usou da literatura para fazer seu protesto contra a política que estava instalada, em nosso país, na época da Ditadura Militar. As pessoas tinham que permanecer caladas, sem vez e nem voz, sem poder dar opinião para que a situação mudasse.
Através de sua alegoria, Rocha trouxe esse protesto. Quando trabalhamos literatura com as crianças podemos fazer com que expressem suas opiniões e sintam-se valorizadas.
Literatura Recontada e Teatralizada em sala de aula por: Célia Maria de Moraes Silva, Elisângela Cordovil Silva, Maria Betânia Silva, Regina Celia Fernandes e Shirlene Santos.

Período Tradicional da Literatura Brasileira Reconto

A Galinha Ruiva
A fábula retrata a historia de uma galinha que além de ser ruiva dedicava sua vida a trabalhar, enquanto os outros animais da fazenda não se preocupavam em preparar seus alimentos.
No final, com o pão feito do cultivo, colheita e preparo, feito pela galinha, todos querem provar, mas, a personagem principal deixa bem claro: quem não trabalha, não come.
Torna-se evidente a característica do período tradicional da Literatura Infantil, a necessidade de transparecer e conservar os valores sociais, familiares e consagrados da propria sociedade. O individualismo é discriminado em todos os momentos, pois, cada um dos animais responde, individualmente, à solicitação da galinha ruiva - para que participem do processo de preparação do pão e não há, em nenhum momento, a reunião deles para somar forças para ajudar a penosa.
Ao contrário, permanecem estáticos e indiferentes a todo esforço da galinha que, sem interromper seu trabalho, busca produzir e colher os frutos do próprio esforço.
São pequenas regras sociais transmitidas aos adultos em miniatura, que a eles somente resta obedecer e aprender os valores e as proibições socialmente aceitas. Esta fábula surge em um momento que se faz necessário valorizar a propriedade privada e o trabalho conquistado com orgulho e suor. É doutrina social, mas, também, se torna elemento necessário para educar e reter informações "significativas" - em uma época de ditadura - no imaginário infantil.
Manipuladores de Marionetes: Aline Pantoja de Oliveira, André Serrão Santana, Daniel David Paz, Diana Kelly Magno, Elvys Dennys Tota e Patrícia da Silva Dias.
Se você quiser conhecer ou revisitar a fábula de "A Galinha Ruiva", acesse ao seguinte vídeo:

Período Clássico da Literatura Infantil Reconto


- Que boca grande você tem?

- Quem nunca ouviu essa clássica frase?

Chapeuzinho vermelho é uma historia recontada de geração em geração por diversos "autores". Como não poderia ser diferente, a recontação também é baseada na versão dos Irmãos Grimm, mas de uma forma cômica. Cada um de nós reviveu, em sala de aula, os já consagrados personagens: lobo, mãe, vovó, caçador e a protagonista Chapeuzinho Vermelho. Reconstruímos os personagens com o nosso olhar criador, cada um dos participantes representou uma personagem à sua maneira.

Analisando numa perspectiva histórica, veremos que as historias infantis não eram destinadas ao público infantil, mas serviam para imprimir valores morais pelos adultos. Graças a diversos pesquisadores e escritores, hoje contemplamos, admiramos e até nos vemos como personagens centrais de cada conto.

Então, qual é o seu conto? Que versão você dá a essa historia tradicional, mas, de certa forma tão em evidencia nos dias de hoje?

Protagonistas: Fábio Mendes de Brito, Maria José Marinho, Neilane Rodrigues, Suellen Vilhena e Wilma Bastos.

sábado, 23 de maio de 2009

LENDA PARAENSE


Morando em Belém, não podemos deixar de iniciar nossa página sem falar dos contos populares, das lendas amazônicas. Escolhemos a lenda do Uirapuru porque ela vem de uma conversa com o "caboclo faladô", na versão de alguém que sabe contar e cantar as coisas de seu povo, nada menos ou mais que o maestro Waldemar Henrique quando ouve, transcreve e (en)canta assim: "Que caboclo falador! Me contou do lobisomem da mãe d'água e do tajá disse do Jurutaí que se ri pro luar Que caboclo falador Que mangava de visagem que matou surucucu e jurou por pavulagem que pegou o uirapuru Que caboclo tentador...". Assista a performance ao vivo de Carlos Vitorino e Vagner Rosafa no espetáculo "Lendas Indígenas e Músicas Afro-brasileiras para canto e piano". Composição sobre a lenda indígena amazônica do pássaro encantado "Uirapuru".