sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O amanhecer das águas daqui: histórias de grandes rios, seus furos e igarapés


Hoje amanheci com as histórias do povo daqui, na memória de alguém que veio para cá aos 28 anos deixando as águas paranaenses do lado de lá. Talvez aclimatada pelo inverno típico de Belém, ou seja, faz calor, mas de céu nublado e com arzinho de chuva. A temperatura beirou a 25 graus na manhãzinha de hoje. Um sonhar acordado de olhos amanhecidos. A vida é sonho (Barca, 2007) e tudo se mistura, mas, é preciso manter o caráter enigmático do sonho, segundo Benjamin (1984). E assim vamos seguindo entre enigmas e aprendências.

Em meus arquivos duas imagens caraterísticas da Ilha de Cotijuba vieram juntas, trazendo as matutinas idas pedagógicas, e resolvi postá-las por aqui, antes porém, pedindo licença aos alunos de Pedagogia, motivo deste blog.

Um salto deste sonho dei até chegar às palavramundo de Paes Loureiro (1991), marca de boa lembrança que, no vai e vem das ondas do barco pelas águas dos rios-mares paraenses, funda-se nas certezas das narrativas ouvidas pelos intermédios que ecoam dessas águas pardas, pois, para - e com - ele aprendi que os rios “escondem embarcações encantadas na manga de sua casaca de lendas, devora cidades, alimenta populações, guarda em suas profundezas ricas encantarias habitadas pelos Botos, Uiaras, Anhangás, Boiúnas, Cobra Honorato”.


As lendas são a poesia do povo; elas correm de tribo em tribo, de lar em lar, como a história doméstica das idéias e dos fatos; como o pão bento da instrução familiar... mas o povo crê, e não convém destruir as fábulas do povo...Este cultivo dos mitos, não é, talvez, o guardar laborioso das verdades eternas? Machado de Assis

Y la experiência me enseña
que el hombre que vive sueña
lo que es hasta despertar.
(Calderón de La Barca)


Referências:
ASSIS, Machado. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. (V. III)
BARCA, Pedro Calderón de la. A vida é sonho. São Paulo: Hedra, 2007.
BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984.
LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura amazônica: uma poética do imaginário. Belém: Cejup, 1991.

domingo, 6 de dezembro de 2009

O olhar do amazônida para o céu: mais respeito ao sagrado



É próprio de todas as espécies preparar gerações futuras transmitindo e apreendendo conhecimentos e comportamentos acumulados pelas gerações anteriores. Ubiratan D’Ambrósio.

Foi essa idéia que me deu vazão à criação e implantação do Planetário do Pará. Desde que fui convidada em 1997 pela UEPA (Universidade do Estado do Pará) a elaborar um projeto para a instalação do Planetário do Pará, me veio o desejo de não só ser um centro de difusão do conhecimento, mas, valorização do povo amazônida que habita cada metro quadrado desta terra. Quantos saberes por aí existem, diante do princípio da etnopedagogia (clique nos links para saber mais), com base em Ubiratan D’Ambrósio, resolvi ler mais ainda sobre ecopedagogia, Francisco Gutiérrez-Paulo Freire e Fritjof Capra, percebi interfaces com Edgar Morin, sobre complexidade na educação, e Ilya Prigogine, pela teoria das estruturas dissipativas que nos levam a repensar o papel do nosso tempo, a nossa visão sobre o conhecimento, sobre as leis fundamentais da física que buscam explicar o universo e o fim das certezas. Foi um pulo para conhecer mais de perto Maturana e Varela e entrelaçar realidades, poesia, ciência, cultura e história.

O que eu quero dizer com tudo isso, havia sim muita sabedoria desde os povos primitivos que percebiam as relações de mútuo pertencimento entre a natureza humana e o meio e, de modo interdependente, a dimensão da vida. Naturezas e relações aprendem a lidar com o que é mais sagrado a todos: A VIDA.

Povos indígenas, pescadores, mateiros, ribeirinhos, quilombolas, enfim, todos os que sabem ler o céu, suas estrelas, seus pontos escuros, a luz do sol, a luz da lua e demais fenômenos celestes e o tanto que influenciam em nosso ser, existir, co-existir, transcender-se.

Todos se encantaram com a proposta da etnoastronomia - do Planetário de Porto Alegre ao de Fortaleza - esse daqui seria o primeiro das terras amazônidas. Ainda é. A idéia tranpôs as fronteiras brasileiras e encantou muitos outros países e além do território das Américas. Tudo se deve ao reconhecimento da identidade indígena a partir dos Tembé, quanta semelhança com o povo babilônico. Olhar histórico, sabedoria da mata, dos rios, dos céus se entrecruzavam. Apresentarei devagarinho essa história.

Todos os que chamei para compor a equipe saíram ganhando com os conhecimento da etnopedagogia, este lugar proporcionou muitos vôos científicos, hoje estão constituídos no mundo acadêmico e com titularidades reconhecidas.

Viva Ubiratan D’Ambrósio, através dele adquiri coragem para propor algo enquanto pedagoga em um terreno das ciências exatas e específico da astronomia, sobretudo, agradeço a oportunidade dada pela UEPA. Ganhamos o projeto e com ele o primeiro lugar do Prêmio Jabuti em 2000, na categoria dos didáticos. Na ocasião que recebi o Jabuti ironicamente eu já estava afastada do lugar idealizado e que acompanhava, desde 1997, a promessa de valorização do povo dessas terras paraoaras. As riquezas daqui enriquecem as gentes de outros rincões.

E OS TEMBÉ? E as crianças que a matriarca da aldeia – a capitoa Verônica – muito preocupada com o fato de que elas falam mais o português que o seu dialeto original? Ela me pediu, quando em visita ao Planetário na véspera da sua inauguração, em 30 de setembro 1999, que fizéssemos uma cartilha para resgatar o orgulho, o conhecimento de suas crianças e não ao contrário divulgar saberes aos filhos do branco. Ela tem sua razão, as pesquisas devem ser daqui para eles, e não somente deles para nós. Via única. A minoria necessita ser respeitada em seu território. Porém, a minha promessa ficou no ar, pois, logo em seguida sai de lá, e hoje ainda me ressinto dessa não realização.

O que fazer se a política nesse país muda os rumos dos educadores?

Silencio-me, mas,
não calo na boca notícia ruim. A utopia se faz necessária para viver. É a educação ambiental na alma que reclama e proclama relações de interdependência. Respeito é a palavra da hora.

Apresento a vocês a constelação do "queixo da anta" (Tapi'i Hazywer), que está localizada na mesma região das setes irmãs (as Plêiades - surge no equinócio da primavera). Lá está a estrela aldebaran, que também pertence à constelação do Touro, primeira constgelação criada pelos babilônios (4.000 anos a.C.). E assim os Tembé vivem a "escola da vida". Essa sabedoria casou com o conhecimento etnoarqueoastronômico do professor Germano Bruno Afonso, que foi o nosso consultor e adentrou a aldeia dos Tembé, por fim propus o desafio de elaborarmos o relatório de campo através de uma cartilha para crianças, linguagem clara e consubstanciada de conhecimentos etnopedagógicos com base em piagetiana (cognição) e vigotskiana (mediação). A equipe coordenada por mim entusiasmou-se.


"Nós os índios, sempre cantamos e dançamos nas nossas cantorias, como forma de manter a unidade do nosso povo e a alegria da comunidade. Se a gente cantar e dançar, nós nunca vamos acabar" (Verônica Tembé, Capitoa da Aldeia Tekohaw).

Para saber mais acesse: Mitos e Estações no Céu Tupi-Guarani.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Magia, conto e aprendizagens: o saber das crianças

Olha a cara do vovô... Aprender a contar histórias para crianças utilizando predominantemente o recurso de saber olhar nos olhos e de se sentir encantado com o olhar da criança. Antes mesmo de utilizar recursos secundários como marionetes e livros.

Falar e olhar, olhar e ouvir, olhares que se comunicam entreolhares. Ou seja, há uma linguagem própria e que só existe no entrelugar dos olhares. Foi essa magia que acadêmicos de Pedagogia, do primeiro semestre de 2009, me fizeram reaprender com as crianças colaboradoras durante a disciplina "Literatura Escolar para as Séries Iniciais".

Solicitei que fossem “a campo” munidos com recursos do olhar, da memória do conto e da vontade de aprender com a criança, sua corporeidade, seus movimentos, suas inquietações, suas perguntas; fossem ali observando e anotando tudo o quanto pudessem reter desse momento único para repensar conosco mais tarde. Primeiro nos atos e processos de escrita. Para facilitar deveriam, com o consentimento da criança, dos pais ou professores, capturar imagens desse holos pedagógico e depois compor todo o vivido em um relatório. Olhares etnográficos que registram a respiração, o movimento das mãos, o desvio do olhar...

O que as crianças recontam? O que lhes chamou a atenção? Como elas dialogam com o mediador? Enfim, perguntas que respeitassem o sagrado dessa relação e seus desdobramentos encantadores. Hipnose das aprendências que asseguram sujeitos autores, inventivos, descobridores e solidários. O olhar é solidário. O olhar é sagrado. O olhar se torna mais humano a partir do entrelugar.

A apresentação abaixo fez parte das mediações que ocorreram durante mini-curso "Contos, oralidade, leitura e escrita: a magia do faz-de-conta ressignificando aprendizagens", que desenvolvi com os participantes da V Semana de Pedagogia, durante dois dias do mês de setembro de 2009.


A Magia das Aprendizagens





Algumas imagens utilizadas estavam disponíveis na internet, outras foram capturadas em uma viagem que fiz ao Paraná, em setembro de 2009, passagens que representam a temporária despedida de meu irmão querido, e outras mais felizes retratam momentos de sala de aula do Curso de Pedagogia e de ações pedagógicas da Escola Bosque.

Essas figuras foram criadas pelos participantes do mini-curso: qual é a cara do teu monstro? Ela dá medo? Penso que depois do mini-curso deixaram de estampar, o medo foi reelaborado... Parece simples.


- Afastar nossos fantasmas? Não, percebê-los que no fundo são frutos da imaginação.


- Que monstrinhos mais simpáticos, você não acha?